Alexandre Dáskalos

alexandre dáskalos

Alexandre Daskalos nasceu no Huambo em 1924. Fez a instrução primária e secundária nesta cidade, na altura, conhecida como Nova Lisboa. Frequentou, a partir de  1942,  o liceu de Sá da Bandeira  (Lubango) onde concluiu o 7º ano. Mais tarde seguiu para Lisboa, matriculando-se na Escola Superior de Medicina Veterinária, tendo-se licenciado cinco anos depois. Regressou a Angola em 1950. Faleceu no sanatório de Caramulo em 1961. Nos anos 60, foi publicado um opúsculo de quatro poemas seus na "colecção Bailundo", dirigida pelo poeta Ernesto Lara Filho e Rebelo de Andrade. Publicou Poemas (1961), Poesia de Alexandre Dáskalos (edição póstuma 1975) .

 

 

Um poema de Alexandre Dáskalos

Que é São Tomé

 I

 

Quatro anos de contrato

com vinte anos de roça.

 

Cabelo rapado

blusa de branco

dinheiro no bolso

calção e boné

 

Eu foi São Tomé!

 

Calção e boné

boné e calção

cabelo rapado

dinheiro na mão...

 

Agora então volto

mas volto outra vez

à terra que é nossa.

Acabou-se o contrato

dos anos na roça

 

Eu vi São Tomé!

 

Cuidado com o branco

que anda por lá...

Não sejas roubado

cuidado! cuidado!

Dinheiro de roça

ganhaste-o. Té dá

galinhas... e bois...

e terras... Depois

já tiras de graça

o milho da fuba,

o leite, a jinguba

e bebes cachaça.

 

Eh! Vai descansado,

dinheiro guardado

no bolso da blusa.

 

Que é São Tomé?

 

Cabelo rapado

blusa de branco

dinheiro no bolso

calção e boné.

 

II

 

Este mente, aquele mente

outro mente... tudo igual.

O sítio da minha embala

aonde fica afinal?

 

A terra que é nossa cheira

e pelo cheiro se sente.

A minha boca não fala

a língua da minha gente.

 

Com vinte anos de contrato

nas roças de São Tomé

só fiz quatro.

 

Voltei à terra que é minha.

É minha? É ou não é?

 

Vai a rusga, passa a rusga

em noites de fim do mundo.

 

Quem não ficou apanhado?

Vai o sono, vem o sono

vai o sono

quero ficar acordado.

No meio da outra gente

lá ia naquela corda

mas acordei de repente.

 

Quero ficar acordado.

 

Onde está o meu dinheiro,

onde está o meu calção

meu calção e meu boné?

O meu dinheiro arranjado

nas roças de São Tomé?

 

Vou comprar com o dinheiro

sagrado da minha mãe

tudo quanto a gente come:

trinta vacas de fome,

galinhas... de papelão.

 

Vou trabalhar nesta lavra

em terra que dizem nossa

quatro anos de contrato

em vinte anos de roça.

 

Eu foi São Tomé!

 

Cabelo rapado

blusa de branco

dinheiro no bolso

calção e boné.

 

Aiuéé!

 

        (No reino de Caliban II -  antologia

        panorâmica de poesia africana de ex-

        pressão portuguesa)

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