A História mais recente do “reino” do Bailundo

Historia Bailundo Reino

Pretendo, com este artigo, apresentar alguns factos mais recentes sobre a história  do que foi, em tempos, um dos mais poderosos reinos dos estados do planalto, ou seja, o Reino do Bailundo, sem qualquer desprimor para outros estados, importantes que  foram e são, quer para as lutas contra a ocupação colonial, quer para o processo da construção da Nação-Estado, em curso, e incluso no grande projecto de edificação da sociedade angolana.

Os estados Ovimbundu, embora os dados de que dispomos apontem para o facto de  os mesmos terem sido constituídos muito antes do século XIX,  são mais fáceis de descrever a partir dos anos de 1800, sobretudo no que diz respeito aos Estados da Cingolo, Cyaka, Gumba, Kalengue, Kaluquembe, Bailundo, Ndulu; Ngalangui; Sambu, Viye, Wambu, para além dos reinos não menos importantes como o  de Caconda (Cilombo Coñoma), Ekekete, Chitata e outros.

 

 

Fig.1 Estados do planalto, toponímia actual e localização

 

Reino

      Toponímia actual

 

                    Localização

 

 

Província

 

 Município

Mbalundu

Bailundo

Huambo

 

Bailundo

Cingolo

Cingolo

Huambo

 

Bailundo

Ciyaka

Ukuma

Huambo

 

Ukuma

Ndulu ou Ondulu

Andulo

Bié

 

Andulo

Ngalangui

Galangui

Huíla

 

Cuvango

Kalenge

Tchikala-Tcholoanga

Huambo

 

Tchikala-tcholoanga

Kaluquembe

Kaluquembe

Huíla

 

Kaluquembe

Sambu

Sambo

Huambo

 

Tchikala Tcholoanga

Viye

Bié

Bié

 

Kuito

           

Falando, concretamente, do reino do Bailundo, que nos interessa neste artigo, é de referir que o mesmo perdeu a sua independência em 1896, logo após a morte de Ekuikui II, e durante o reinado de Numa II que o sucedera. Recorde-se que este fora vencido pelo capitão Justino Teixeira da Silva, que, vindo do Bié, o atacou sem dó nem piedade.

A Numa II (assassinado por ordens do jovem capitão Teixeira da Silva) sucederam outros reis, com pouca expressão, como foi o caso de Kalakata e Kalandula. Estes,  transidos pelas derrotas, nada fizeram para contrapor com retaliações a impunidade com que os portugueses agiam no reino recém-conquistado. De facto, os comerciantes portugueses agiam com uma  impunidade total, sobretudo no que dizia respeito à procura  de milho, cera, borracha e de mão-de-obra escrava para a agricultura.

Houve, entanto, um homem, que não era rei, mas que estava ligado à corte do reino do Bailundo, que não esteve para meias medidas. Esse homem

 

 chamava-se Mutu-ya-Kevela[1], que quis pôr freio nos apetites desmesurados dos portugueses. Mutu-ya-Kevela viria a ser dominado e morto em 1902, muito antes do aprisionamento, na região do Bimbe, do seu conselheiro, Samakaka, famoso pelos seus conhecimentos de magia, utilizado, em vão, para ludibriar as forças portuguesas. Dali em diante, os portugueses tiveram um domínio total do “Reino” ao ponto de, por um lado, influenciarem nas sucessões ao trono e, por outro, mobilizarem os reis, agora convertidos em sobetas, para as suas missões mais bizarras como foi, por exemplo, a mobilização dos bailundos, sob o comando do rei Candimba  para a chacina da população dos Seles.

A história do “Reino” do Bailundo, depois de passar por um período de relativa acalmia, viria, no entanto, a tornar-se conflituosa, fruto das convulsões políticas e sociais que se verificaram logo após a ascensão do país à independência e, concomitantemente, a guerra que se seguiu.

Manuel da Costa (Ekuikui III)- Rei do Bailundo (1977-1998) e Augusto Kachytiopololo (Ekuikui IV)
Augusto Kachytiopololo (Ekuikui IV) e Manuel da Costa (Ekuikui III)- Rei do Bailundo (1977-1998)

O último dos soberanos que regeu o Bailundo, sob a bandeira colonial, foi Félix Numa Candimba, da linhagem do rei Candimba. Félix, durante o tempo colonial e os anos que se seguiram a independência nacional, conciliava a função de rei (soba) com a de contínuo na Escola Primária nº 44, do Município do Bailundo.

Na Angola independente (1976) o Município do Bailundo era governado pelo Comissário Municipal André Ulamba, mais tarde substituído por Chipindula e David Sapata, respectivamente. A nomeação de David Sapata viria a coincidir com a morte de Félix Candimba. É de referir que David Sapata foi nomeado Comissário do Município do Bailundo, no ano de 1977. Tratou-se de um homem que ficou célebre pelo seu carácter sanguinário ao ponto de, segundo se conta, ter tido o desplante de apresentar a certos visitantes ao Município a sua famosa “lavra”, leia-se cemitério. Como se isso não fosse suficiente, o comissário David Sapata foi a primeira autoridade governamental a subverter os princípios da entronização dos “reis”  do Bailundo, segundo os quais, apenas podem ser reis pessoas de sangue azul, ou seja, que possuem a linhagem real.  David, sub-repticiamente, favoreceu e contribuiu para que um dos seus amigos, Benjamim Pesela Tchongolola, um granjeiro, se autoproclamasse rei do Bailundo, embora por pouco tempo, porque, em 1979, o comissário David Sapata não sobreviveu a uma emboscada da Unita, que também dizimou centenas de pessoas que vinham com ele na via do Alto-Hama ao Bailundo.

Ao comissário David, sucedeu Arão Chitekulu. Este, com o intuito de mostrar uma nova face na sua governação, embora não se não se tenha livrado da fama de carrasco, organizou um grupo de Sekulu (mais-velhos) com o fim de tirar Pesela do trono, o que foi conseguido pelas razões atrás apontadas. Apesar disso, o gesto de Arão Chitekulu caracterizou-se, em certa medida, por um igual  desrespeito às tradições. É  que, Manuel da Costa, o rei escolhido, não pertencia a linhagem dos reis do Bailundo, mas sim dos reis da Luvemba. Fosse como fosse,  Manuel da Costa subiu ao trono com o epíteto de Ekuikui III, tendo sido respeitado como tal. O mesmo teve, no entanto, um percalço quando, nos anos 80, foi raptado pela Unita e levado para o antigo bastião do “Galo Negro”, a Jamba. No entanto, pelo que se sabe, mesmo na ali, o mesmo foi tratado com a deferência própria de um rei. Foi nesta qualidade que, em 1992, após as escaramuças que se seguiram as eleições de 1992, a Unita não torcesse o nariz ao facto de  Manuel da Costa (Ekuikui III) ter retomado o trono, diante da fuga de um outro rei que lhe tinha tomado o lugar durante a sua ausência, ou seja, Augusto Kachytiopololo, um homem comum, não pertencente a qualquer linhagem dos reis do Bailundo, que  foi elevado à categoria de rei por questões essencialmente políticas, com o patrocínio do Comissário Provincial Arão Chiteculo.

Augusto Kachytiopololo, entronizado aquando da estadia de Ekuikui III na Jamba, refugiou-se na cidade do Huambo logo que a Unita fixou a sua direcção nas vilas de Andulo e  Bailundo. No entanto, Ekuikui III viria falecer nos finais dos anos 90, mergulhando, de novo, o reino numa crise. Dada a vacatura e, sob a influência do líder da Unita, foi decidido preenche-la com candidatos de sangue azul e da linhagem dos reis de Etunda, Lunge. Recorde-se que fora daí de onde saíra, em 1820, o rei Utondossi que reinara no Bailundo até 1842. Definidas assim as coisas, a escolha recaiu para duas individualidades de sangue azul e da linhagem real dos Utondosi: Alice Ngueve Simões (mãe do embaixador e ex-presidente da bancada da Unita, Alcides Sakala Simões), e Jeremias Lussati, a quem se decidiu entregar o trono, com o epíteto de Utondossi II.

 

Com a morte do líder da Unita, o fim da guerra e a re-proclamação de Augusto  Kachytiopololo para rei, com o epíteto de Ekuikui IV, O “reino” do Bailundo entrou na sua fase mais crítica, cuja nota predominante é a vassalagem total ao Mpla e JES. Daí que o passo a seguir, conforme foi orquestrado por essa força política e seu presidente (JES), com o beneplácito de Augusto Kachytiopololo, foi a eliminação física de Utondossi II, o que se conseguiu, em 2008, como consequência de um atentado sofrido em 2007 na localidade de Lunge, onde vivia.

Estes factos apenas atestam quão contraproducente é a intromissão abusiva da política e do poder instituído no poder tradicional. Mas, apesar disso, nos “akokoto” mentais das populações do Bailundo apenas têm lugar os reis de sangue azul. Quantos aos outros, serão esquecidos logo que deixarem o mundo dos vivos.

 

[1] Literalmente,  “abóbora que não cose”, ou seja, “o indomável”,

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