José Eduardo Agualusa

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José Eduardo Agualusa Alves da Cunha nasceu no Huambo, a 13 de Dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa. Reside actualmente em Lisboa com viagens periódicas ao Brasil e a Angola, assim como a certos países com o fim de dar corpo às suas obras como foi o caso da Índia (Goa), Berlim e, mais recentemente, Amesterdão.

José Eduardo Agualusa é um verdadeiro fenómeno na literatura angolana, na dos países de língua oficial portuguesa (PALOP) e mesmo na literatura universal pelo seu carácter surpreendentemente prolífero, pela sua imaginação e pelo domínio da escrita que nos faz considerá-lo, sem dúvida, como um “adulto prodígio” no mundo das letras. A par disso, José Eduardo Agualusa tem sido a voz dos que não a têm através da sua crítica corajosa, audaz e incisiva aos excessos e à acridez do poder instaurado em Angola, diante do silêncio, que raia o doentio, da grande maioria dos escritores angolanos. Escreve crónicas para a revista “ler” e para o jornal angolano “a capital”. Realiza para a RDP África "A hora das Cigarras", um programa de música e textos africanos.

É membro da União dos Escritores Angolanos.

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Os seus livros estão traduzidos para uma dezena de idiomas. Entre outros prémios, recebeu, em 2007, o prestigioso Prémio Independente de Ficção Estrangeira,  pelo livro O Vendedor de Passados, tornando-se o primeiro escritor africano a receber tal distinção.

  A sua obra revela uma grande preocupação social, por vezes com o recurso ao realismo e ao fantástico. Os motivos centrais dos seus temas são os dramas humanos produtos de sociedades autocráticas, desestruturadas e saídas de guerra. Subjaz em José Eduardo Agualusa a intenção de transformar sua obra num instrumento de transformação da sociedade por meio da denúncia das injustiças sociais.

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                            Excertos

     O VENDEDOR DE PASSADOS

“A casa vive. Respira. Ouço-a toda a noite a suspirar. As largas paredes de adobe e madeira estão sempre frescas, mesmo quando, em pleno meio-dia,o sol silencia os pássaros, açoita as árvores, derrete o asfalto. Deslizo ao longo delas como um ácaro na pele do hospedeiro. Sinto, se as abraço, um coração a pulsar. Será o meu. Será o da casa. Pouco importa. Faz-se bem. Transmite-me segurança. A Velha Esperança traz às vezes um dos netos mais pequenos. Transporta-os às costas, bem presos com um pano, segundo o uso secular da terra. Faz assim todo o seu trabalho .Varre o chão, limpa o pó aos livros, cozinha, lava a roupa, passa-a a ferro. O bebé, a cabeça colada às suas costas sente-lhe o coração e o calor, julga-se de novo no útero da mãe, e dorme. Ao entardecer, já o disse, fico na sala de visitas, colado às vidraças, vendo morrer o sol. Depois que a noite cai vagueio pelas diferentes divisões. A sala de visitas comunica com o jardim, estreito e mal tratado, cujo único encanto são duas gloriosos palmeiras imperiais, muito altas, muito altivas, que se erguem uma em cada extremo, vigiando a casa. A sala está ligada à biblioteca. Passa-se desta para o corredor através de um aporta larga. O corredor é um túnel fundo, húmido e escuro, que permite o acesso ao quarto de dormir, à sala de jantar e à cozinha. Esta parte da casa está voltada para o quintal. A luz da manhã afaga as paredes, verde, branda, filtrada pela ramagem alta do abacateiro”.

           

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         A CONJURA

“ Quando o velho colonialista Silva Porto se embrulhou na bandeirinha azul do reino e, empoleirado num barril de pólvora, se fez explodir, a ele e à sua libata e a todo o armamento e munições, sabia com certeza que estava a lançar petróleo à alta fogueira dos ódios colonialistas e, assim, indirectamente a perpetuar um massacre. De facto, quando o idoso capitão-mor estoirou, vivia-se em toda a colónia a ressaca do Ultimatum britânico e a sua atitude, que noutra altura talvez tivesse sido apenas motivo de troça, empolgou os colonos, agitou os governantes e ditou a sorte do orgulhoso Ndunduma, cujos guerreiros foram incapazes de resistir ao assalto combinado de duzentos e sessenta caçadores indígenas, doze cavaleiros, oitenta mercenários bóeres, trezentos dâmaras e quarenta bastardos, todos sob o comando do brilhante capitão Artur de Paiva.

Exilado entre as agudas montanhas de Cabo Verde,Nduduma, o Trovejante,teve bastante tempo para meditar nisto tudo e em particular na forma como se ligam os gestos e as coisas. Quem diria que, por causa de uma simples chapada, um velho se havia de decidir a arrebentar com a vida, e que, devido a isso e a um papel com o selo de Sua Majestade, a rainha dos britânicos, se juntariam para o perder oitocentas e tantas armas.

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